Mais importante do que qualquer hipotética conquista, são o pontapé inicial e o caminho que levou até ela. Vitórias e derrotas; alegria e sofrimento: situações que conduzem a um lugar. Nesses quase 10 anos de existência, o Farrapos Rugby Clube passou por diversos momentos marcantes que o fizeram chegar, de forma inédita, à final do Campeonato Brasileiro de Rugby XV.

Ainda modesto e pouco difundido na cultura Brasileira ao fim do século XIX, uma modalidade esportiva teria tido impulso de sua prática com o incentivo de Charles Miller, que retornou da Inglaterra portando a principal ferramenta de jogo – a bola. A leitura deste parágrafo, até aqui, se desconectada de todos os artifícios visuais desta página, certamente será entendida como uma explicação da forma com a qual futebol caiu no gosto do povo brasileiro. Entretanto, falamos aqui do rugby, que também fora trazido por Miller. Apesar de já praticado no país, foi ele quem ajudou a estimular as atividades  do mesmo.

Uma história bem mais modesta, moderna e sem grande folclore explica a formação de um time da modalidade localizado em Bento Gonçalves. Filho de um pai argentino, Luis Francisco Flores, o Tito, foi um dos responsáveis pela fundação do Farrapos Rugby Clube. Ex-jogador e hoje membro da diretoria do time, em 2006, ele tinha que atuar em Caxias do Sul pela falta de opção na cidade. “Certa vez um amigo me viu com a camiseta da Seleção Argentina, viu que eu gostava do esporte e me convidou para começarmos a treinar. A possibilidade mais próxima era com o Serra Rugby, em Caxias”, explica.

As exaustivas excursões à outra cidade para os treinamentos formaram a necessidade de uma ação inovadora: a fundação de um time em Bento Gonçalves. “No fim de 2007, éramos quatro bento-gonçalvenses no Serra e passamos a acreditar que poderíamos montar um time aqui, e o próprio Serra apoiou nossas ideias. Conseguimos montar um grupo para treinar na Linha Paulina e fizemos o primeiro treino. Foi assim que começou tudo”, relembra Tito.

Tito espera por um jogo extremamente equilibrado (Foto: Lucas Delgado)

De acordo com o ex-jogador e ex-presidente do Farrapos, as condições dos primeiros treinos da equipe eram muito precárias, o que valoriza o caminho percorrido pelo clube. “Entre 2007 e 2010 treinávamos em um campo na Linha Paulina, depois fomos ao gramado da Fundaparque, onde não tínhamos iluminação adequada. Era uma batalha para o grupo, que ainda conta com alguns remanescentes dessa época”, explica.

Esse é o caso de Leonardo Scopel, 28 anos, que integra o plantel do Farrapos Rugby desde o seu primeiro ano de atividade. Segundo o jogador, um convite para participar de um dos encontros foi o início do laço que o une até hoje com o time bento-gonçalvense. “Eu lembro de ter chegado, provavelmente, no quarto treino do grupo e gostei daquilo ali. No começo nada é fácil, éramos poucos jogadores e em campos com pouca qualidade. Apesar das dificuldades, relembrar isso faz com que nos sintamos merecedores do momento por tudo que passamos”, pondera.

A mudança de patamar

O ano que marcou uma mudança comportamental do Farrapos foi 2009. De acordo com Tito Flores, uma reunião importante levou o time adiante. “Naquela época tivemos uma conversa séria. Reunimos-nos para decidir se seríamos apenas um grupo de jogadores ou um clube de rugby. Escolhemos o segundo”, destaca. Ele ainda pondera que houve uma organização maior a partir dessa decisão. “Passamos então a pensar na formação de atletas em categorias de base e, para isso, na contratação de treinadores. Começamos a captação de recursos e crescemos como clube. E essa decisão de deixar de ser um grupo de amigos que jogava para a formar um verdadeiro clube de rugby é o que fez a gente colher os frutos que colhemos hoje”.

A partir disso, o Farrapos começou a sua trajetória como clube dominante do Rio Grande. Em 2010, o primeiro título estadual (hoje, o time é octacampeão em sequência), a conquista da Copa do Brasil – garantindo a vaga para a elite no ano seguinte – e uma campanha invicta.

O choque de realidade chegaria em 2011, na disputa do Campeonato Brasileiro – à época, chamado de Super 10. Na estreia, derrota para o São José, naquele momento atual campeão nacional, por 58×17. Segundo Tito, a situação foi dolorosa, mas serviu de aprendizado a todos. “Encontramos ali um nível muito acima do que estávamos acostumados. Foi bom vermos a necessidade de ter um time de base. Foi parte de um processo de elevação de patamar do clube. Nós nos propusemos a disputar e competir no maior nível possível, nem que para isso fossemos sofrer e perder até que aprendêssemos todas as coisas a fim de chegarmos onde estamos agora”, pontua. Apesar das dificuldades, o Farrapos conseguiu escapar do rebaixamento e seguir, até hoje, na elite do Brasil.

Leonardo Scopel é um dos remanescentes das primeiras equipes (Foto: Divulgação/Farrapos RC)

Nos anos seguintes, o Farrapos subiu de patamar, mas um título a nível nacional não chegou. Para Scopel, eram frequentes os questionamentos sobre a falta de uma participação em fases decisivas do Campeonato Brasileiro. “O pessoal perguntava quando o Farrapos faria uma final, mas e tudo é questão de amadurecimento. Há jogadores de outros clubes que tem muito tempo de rugby, jogadores na seleção enquanto nós não temos. Faltava maturidade, talvez. E agora sentimos que estamos prontos”, explica.

A tão sonhada decisão chegou

O Super 8 de 2017 já está marcado na memória, não só dos gaúchos, como também de uma equipe paulista. Farrapos Rugby Clube e Jacareí Rugby farão a decisão da primeira divisão do rugby brasileiro. Na fase classificatória, a equipe de São Paulo levou a melhor: jogando em casa, venceu por 35×30. As duas equipes fecharam a fase classificatória com as melhores campanhas – os Jacarés ficaram na frente pela vitória no confronto direto. Nas quartas e semifinais, ambas venceram seus dois jogos.

Hoje como dirigente e torcedor, Tito crê em um jogo emocionante e entre duas equipes parecidas. “É uma final muito simbólica, já que são dois clubes jovens e que fazem final inédita. É evidente que queremos vencer, mas já estou extremamente feliz com esse ano. Esses caras que vestem a camisa do Farrapos hoje são especiais. Talvez por isso a vitória venha”, afirma.

Para jogador farrapo de, a emoção sentida pelos atletas mais antigos terá um peso diferente. “Ninguém sabe pelo que passamos. Por isso vem à mente um filme na cabeça. São coisas que ficaram marcadas e nos fizeram muito bem. Somos a prova de que é possível começar do zero e se dar bem. Estou ansioso pelo domingo”, garante Scopel.