Se o consumo de drogas constitui um dos principais problemas da sociedade moderna, o uso dessas substâncias por crianças se revela como a faceta mais cruel dessa realidade. Infelizmente Bento Gonçalves possui números preocupantes sobre o uso de substâncias ilícitas e consideradas pesadas por jovens menores de 12 anos, que são considerados vítimas do sistema. Quatro casos foram registrados nos primeiros quatro meses de 2017, em compartivo com apenas um ao longo de 2016.

Um dos casos mais graves e que, segundo o Conselho Tutelar exige cuidado intenso, acontece em uma escola de ensino fundamental e médio localizada no bairro Borgo. Um menino, de apenas 10 anos, é acompanhado pelo órgão desde os oito. Isso porque, o garoto é usuário de maconha e crack e já foi internado em um hospital para reabilitação mais de duas vezes.

Outro caso ocorre no bairro Santa Helena. Um, também menino, de apenas 11 anos compra maconha de um adolescente dentro do ambiente escolar e, segundo o Conselho, o pai trata o caso como “normal”. O conselheiro Leonides Lavinicki lembra que situações como estas que estão acontecendo no município, não podem ser consideradas normais. “O problema é muito grave, mais do que as pessoas conseguem imaginar. Afinal, se esses casos não forem controlados, no futuro esses jovens serão criminosos que estarão roubando e até mesmo matando na cidade ou fora dela, observa.

Para o sociólogo Renato Antônio Zanella Filho o acesso às drogas está a cada dia mais fácil e, por conta disso, a curiosidade das crianças com o novo, faz com que elas queiram experimentar e participar de grupos dentro da escola. “Eles são mais vulneráveis às substância tóxicas. Precisamos entender que não é o simples fato de que estes jovens chegarão a vida adulta e influenciarão uma sociedade como um todo, mas como essa sociedade vai tratar de influenciar estas crianças para que cheguem a vida adulta integradas socialmente e felizes”, garante Zanella.

O sociólogo enfatiza ainda que é necessário entender que estes jovens só se tornarão marginais se a sociedade não tiver a capacidade de lidar de forma apropriada com estas questões. “A parte frágil é a criança, não a sociedade”, assegura. Além disso, Zanella acrescenta que as crianças são frutos da comunidade e não ‘extraterrestres’. “Precisamos buscar as soluções como buscamos resolver questões materiais. É necessário e urgente encontrar uma saída para as questões que hoje nos causam preocupações. Precisamos mudar o foco deixando de tratar o problema das drogas como sendo de ordem policial para tratarmos também como um problema de saúde”, cobra o sociólogo.

É exatamente na questão de tratar o problema como de saúde pública, que Diogo Siqueira, secretário de Saúde, enfatiza a necessidade de haver em Bento um sistema que cuide totalmente destes jovens. “Possuímos o Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CapsI), mas entendemos que só isso não está sendo suficiente. O ciclo é vicioso e as crianças acabam voltando para o mesmo local onde estavam, logo após a internação hospitalar”, esclarece Siqueira.

A solução, segundo o secretário, seria implementar o tratamento de reabilitação em Bento Gonçalves e tentar, com auxílio do Ministério Público, que o jovem não volte ao mesmo ambiente social em que estava. “Precisamos mudar essa realidade. Não estamos conseguindo combate-lo, principalmente porque a criança não pode e nem deve seguir na mesma realidade”, comenta.
Zanella, adverte que o convívio que os jovens tem com a droga e com que as fornece pode torná-la dependente. “É evidente que muitos fazem uso experimental das drogas e dentre estes uma minoria se tornará dependente. Se a pessoa, seja criança ou adulto, fizer o uso de droga e estiver passando por uma situação de dificuldade, seja psicológica, social ou de saúde, o risco de ficar dependente é alto”, explica o sociólogo completando que menores de 12 anos são completamente influenciáveis e torna-se vítimas do sistema e da sociedade em que estão inseridos.

O relato do convívio diário

Fazer parte da realidade de uma criança viciada em drogas e tentar mostrar uma luz ao final de um túnel escuro não é nada fácil. Segundo a diretora de uma escola que preferiu não se identificar, acompanhar o declínio de uma criança de 10 anos é triste.
A história do pequeno que é acompanhado pelo Conselho Tutelar desde os oito, também está sob os olhos da diretora, que em 2016 foi professora dele. “No início, logo que ele veio transferido para nossa escola, tive muita esperança que conseguiria ajudá-lo. Por alguns meses tivemos sucesso, ele estava tomando os remédios que o psiquiatra indicou, mas quatro meses depois começou a agredir os colegas”, comenta.

O problema não atinge somente a direção escolar. Segundo a diretora, o ambiente que envolve alunos e professores é de medo. “Na semana passada precisamos tomar atitudes, pois ele feriu um colega que precisou ir ao hospital. Estamos realmente de mãos atadas, pois se tiramos da escola, sabemos que ele irá às ruas e ficará se drogando. Se mantemos, temos transtorno com os pais dos outros colegas”, lamenta a diretora.

O caso do garoto está com o Ministério Público que avalia uma nova internação compulsória em Santa Catarina.

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