A discussão sobre a retirada da BM da segurança da área interna dos estádios de futebol é antiga, e debatida com frequência pelas lideranças da área de segurança pública. Esta semana, o debate ganhou um novo capítulo. Em palestra sobre o setor realizada no Centro de Indústria e Comércio (CIC) de Bento Gonçalves na última terça-feira, 25, o comandante-geral da Brigada Militar no Rio Grande do Sul, tenente-coronel Andreis Silvio Dal’lago, manifestou mais uma vez a vontade de retirar os agentes da parte interna dos estádios. Com isso, a BM seria responsável apenas pela segurança nos arredores dos eventos esportivos.

Em sua fala, o comandante-geral destacou que a redução gradual de efetivo para os jogos de futebol já vem sendo adotada pela Brigada Militar. De acordo com ele, por se tratar de um evento privado, não se deve retirar efetivo das ruas para atuar no interior das arenas. “A diminuição vem sendo feita mês a mês. É preciso separar o público do privado”, destaca.

A opinião é compartilhada pelo secretário de segurança pública de Bento Gonçalves, tenente-coronel José Paulo Marinho. O atual chefe da pasta, que já atuou como sub-chefe da Casa-Militar do Rio Grande do Sul, afirma que é um assunto debatido há muito tempo pela BM no Estado. Segundo ele, a obrigação de atuação do órgão público se restringe à parte externa dos eventos. “Dentro do estádio, cabe aos organizadores do evento privado”, afirma.

A retirada do policiamento ostensivo das ruas – déficit histórico no Rio Grande do Sul – para a atuação nesses eventos é visto como prejuízo à segurança pública. “Em um clássico Gre-Nal, por exemplo são 300 a 400 agentes tirados das ruas para o jogo. São policiais que deixam de atuar para toda a comunidade”, pontua. Ele salienta, no entanto, que caso haja fatos atípicos, como brigas generalizadas ou ocorrências que necessitem a intervenção da Brigada Militar, o órgão deve intervir na parte interna do evento.

“Setor privado não tem poder de controle”

No entanto, a opinião acerca do controle das multidões divide os especialistas do segmento. Entre os principais pontos, está a capacidade de controle que esses órgãos privados exercem em situações de aglomeração de pessoas. De acordo com o sociólogo e professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Lucas Coradini, situações como essas exigem o acompanhamento de forças de segurança como a Brigada Militar. “O ambiente gera situações favoráveis para conflitos, brigas e a violência de forma geral”, explica.

De acordo com ele, a segurança privada possui uma série de limitações para atuar como protagonista nesse tipo de evento. “As polícias têm mais poder e preparo para atuações em situações como essas. A segurança privada pode contribuir, mas é necessário acompanhamento do Estado em todas as etapas”, ressalta.

Segundo ele, a posição da Brigada Militar vai ao encontro do que vem sendo adotado pelo governo estadual, de diminuição do papel do Estado em diversos sentidos, inclusive na área de segurança pública. “Estamos observando uma diminuição gradual nos serviços essenciais para a população por parte do Estado”, observa.

Assunto já foi debatido por autoridades em outros países e estados

O assunto sobre a presença ou não das forças policiais em estádios de futebol é antiga, e já foi debatida em outros países. No Uruguai, por exemplo, uma decisão tomada em abril de 2016 pelo Ministério do Interior e pela Associação Uruguaia de Futebol (AUF) arbitrou que a polícia não faria mais a atuação na parte interna dos palcos esportivos.

No entanto, acontecimentos recentes colocaram a decisão em xeque no país. Na última quarta-feira, 26, foi registrada uma briga generalizada dentro e fora do campo no jogo entre Peñarol x Palmeiras, em partida válida pela Taça Libertadores da América. Em outro episódio, em novembro do ano passado, o clássico entre os dois maiores clubes do país, o Peñarol e o Nacional, também acabou em confusão, e a partida foi suspensa. As opiniões sobre a presença ou não da polícia no estádio se dividem entre as autoridades, sindicatos de árbitros e até mesmo entre as empresas do setor de segurança privada.

No Brasil, o assunto também é discutido com frequência, motivado por episódios de violência. Em dezembro de 2013, em jogo válido pela última rodada do Campeonato Brasileiro, as torcidas de Vasco e Atlético-PR entraram em confronto nas arquibancadas da Arena Joinville. Na ocasião, a Polícia Militar do Estado de Santa Catarina não realizou a segurança do evento dentro do estádio, permanecendo apenas na parte externa, e adentrando ao estádio apenas após a confusão.

Em São Paulo, o Ministério Público pede a retirada das forças policiais de dentro dos estádios desde o ano de 2014. No entanto, nenhuma decisão foi tomada para impedir a presença dos agentes no interior das arenas.

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