Beethoven é um São Bernardo de quase noventa quilos de pura teimosia, às vezes, confundida com preguiça. Mas não deixa de ser também um cão dócil e gentil, desde que não o obriguem a fazer extravagâncias, como longas caminhadas nos dias muito quentes. Ele prefere se esparramar debaixo das árvores frutíferas, onde rola uma sombra perfumada e fresca.

Brigitte, sua companheira de todas as horas, é da mesma raça e pesa um pouco menos que o macho. É meiga e sensual – dentro dos conceitos caninos – mas tem uma força gigantesca. Assim como ele. Não é por acaso que esses cães, nos primórdios, antes mesmo de terem o papel de localizar e salvar viajantes perdidos na neve, eram usados para puxar carroças.

Por serem propensos à obesidade, todo santo dia, o dono os levava para caminhar, geralmente depois que o sol se punha, evitando assim o superaquecimento das máquinas peludas.

O ritual era sempre o mesmo. Ele atava a coleira de cada um na respectiva corda e fazia um lacinho na ponta, onde enfiava os pulsos, para garantir seu domínio sobre a dupla.

Num dia desses, a rotina do passeio vespertino foi totalmente quebrada. Na verdade, não só a rotina… Mas vamos ao fato.

O sapiens e os caninos andavam displicentemente pelas redondezas, sem nenhuma pressa, quando, de repente, uma coisa viva que se movia à frente deles, atiçou-os. No mesmo instante, a dupla deu uma arrancada que quase decepou os braços do cara. Já esgualepado, o sujeito mal conseguia se manter em pé. Segurar os cachorros pelas cordas era impossível. Quase sem fôlego – e sem calcanhares -, gritava:
-Paaaaaaaaaaaara, Beethoven!
-Brigitte, paaaaaaaaaaara!

Deu-se efeito contrário. Os cães pisaram no acelerador, e o cara dobrou as pernas.

Então chegou o fim da linha. Os cães, que estavam a cento e vinte por hora, não conseguiram frear e acabaram rolando ladeira abaixo. Era um senhor barranco de quase… talvez dois metros, no fundo do qual, o homem caiu que nem um abacate maduro. Detalhe: sobre os próprios braços.

Com o impacto, alguns dos ossos pressionados não resistiram. O cúbito esquerdo e o rádio direito fraturaram, mais ou menos na altura dos cotovelos. Eta dor de cachorro!

Samu, chamado, providências, tomadas, e a vida voltou ao normal… Na verdade, quase. Algumas coisas mudaram…

Não vou contar quem é o personagem dessa história real, mas se vocês virem, pelas bandas de São Roque, uma pessoa do sexo masculino já no portal da terceira idade, com os dois braços engessados horizontalmente, conduzindo um minúsculo Chihuaha num barbante, e que caminha como se estivesse fazendo a dança do robô do Michael Jackson, já sabem! É ele.