Terminar o ano exercitando poesia é reforçar a disposição de brincar com o cotidiano. Até porque o dia-a-dia é permeado de emoções. Quem sobrevive a elas, não tem pruridos: encara qualquer coisa… de poesia à panelas. Mas haja coração!

Eta, músculo complexo! A um só tempo, função e alegoria; centro da vida e sede do amor. Harmonizar matéria e espírito, conciliando esse paradoxo é ir além da anatomia, para percorrer a metáfora… Porque o coração, sendo avesso ao que não vibra, é dado a exageros: sangra com as dores e se arvora ao primeiro sinal de encantamento…

…o primeiro toque… a primeira carícia… o primeiro amor. E todos os outros que se seguiram, com seu inevitável deslumbramento…
…desvelar-se por inteiro. Afundar o pé descalço no tapete, sentir a textura da alma… Corpo, mente e espaço em harmonia.

Fugir do ritmo frenético, desta gana que consome a humanidade: contabilizar ganhos, avaliar perdas e projetar o futuro…
Conceito curioso este. Hoje é o futuro de ontem, e amanhã é o futuro de hoje. Portanto, o futuro é o presente…
É preciso entender a poética do presente. Afinal, a vida é um presente!

Quem nunca varreu suas imperfeições pra debaixo do tapete que atire a primeira palavra!
O desejo de ocultar o lado obscuro é da humana condição. E não é fácil remover o que se vai enovelando nos cantos pelas espanadas diárias. Às vezes, é preciso anos de análise para se achar a ponta daquela emoção que alimentou tantas outras, até virar um emaranhado de sentimentos.
Por isso, é imperioso abrir janelas e alçar as manhas sob as quais mitos e medos se escondem.

Domesticar o fogo, sem amornar a vida. Suavizar o tempero, sem abolir o prazer. O equilíbrio deve compor o ambiente e harmonizar com o cardápio, para que não fique nenhum excesso nas entrelinhas.
E revogam-se as regras! Sentimentos ordenados em seus devidos lugares, preservando a natureza íntima das coisas. Mas, nada de catalogar desejos. A liberdade permite juntar ingredientes que promoverão manjares de deuses! Bon’ Apetit!

(Texto publicado em 2010)