Então, no final do século passado, um casal de imigrantes alemães instalou-se na cidade de Santa Catarina que levou o nome do seu fundador, Dr. Hermann Bruno Otto Blumenau. Entre os pertences, trouxeram seu maior bem, um relógio de parede, que se tornaria, além de um medidor do tempo, um mediador dos sentimentos antagônicos que o desterro provocara – a nostalgia da partida e a esperança da chegada.

Do alto da parede da sala, o relógio badalava de quinze em quinze minutos. Era um som profundo saído de dentro de sua caixa de carvalho, que lembrava os sinos da pátria distante…

E o tempo foi passando… O casal teve filhos, que cresceram, casaram e também tiveram filhos…

Já velhinhos, opa e oma (avô e avó) faleceram. Por esse tempo, o relógio ganhou companhia – uma televisão preto e branco, cuja voz passou a ter prioridade. Resultado: começou uma implicância familiar em relação às badaladas, que atrapalhavam na hora de assistir aos programas da TV.

Bem rapidinho, o neto que tinha um xodó pelo relógio, ofereceu-se para resolver a questão, levando a raridade à sua casa (depois ao seu apartamento e mais tarde para nova cidade), junto ao resto da herança – um arlequim & colombina de porcelana, que era da bisa, uma caneca e um serrote.

Com o passar do tempo, o sistema mecânico daquela engrenagem começou a falhar até parar completamente. Levado para conserto, constatou-se que a corda em espiral havia quebrado e que o valor da peça era bem salgado, motivo por que o relógio voltou para a bancada sob a cama do neto, nessas alturas já casado e com duas filhas. E ali ficou paradinho por mais alguns anos…

Até que certa noite, enquanto o neto bebericava café na caneca herdada, do mesmo jeito que o opa fazia, as lembranças passaram a povoar o ambiente… E ele foi puxando a linha do passado até chegar na época em que convivera com avós… E grande ternura tomou conta de seu semblante.

Naquela madrugada, aconteceu o improvável, o impossível, o impensável: o relógio, que jazia sob a cama e que estava sem a espiral que prendia o pêndulo, começou a badalar…

Mudos de espanto, marido e mulher se olharam… e aguardaram por quinze minutos imóveis.

E veio a segunda badalada…

E a terceira, a quarta, a quinta, a sexta, a sétima.

Uma hora e quarenta e cinco minutos depois, o relógio silenciou.

Após o susto, eles ponderaram que, certamente, haviam entrado em sintonia com os avós, que se manifestaram através do objeto que tanto amavam. Foi a melhor noite mal dormida que tiveram.

Depois do evento, o relógio foi colocado logo acima da cabeceira da cama. Nunca mais tocou. Mas eles continuam aguardando a próxima badalada….