Toda vez que levo a cachorrinha para passear pela quadra – geralmente no final do dia – vejo um vira-lata magrela, procurando restos de alimentos próximo às lixeiras. E a comparação é inevitável. Quem é mais feliz? Minha submissa e leal companheira, que tem casa, comida e roupa lavada, mas submetida a regras que lhe tolhem a liberdade de ir e vir, ou o cão que dorme ao relento, come o que acha e quando acha, mas que anda pra cima e pra baixo ao bel prazer?
Babi, minha cachorrinha, parece feliz, ao menos enquanto passeia. Mas o passeio é curto. Com paradas obrigatórias a cada dez metros, para cheirar e fazer xixi, ela vai demarcando o território. Como se adiantasse. Assim que nos afastamos, o vira-lata percorre o mesmo trajeto e urina sobre o local, só pra mostrar quem é o dono do pedaço.

No resto do tempo, Babi fica em casa, dormindo ou latindo… Acho que compartilha suas frustrações com os outros cachorros da vizinhança também impossibilitados de sair. Alguns, inclusive, submetidos a sistemas mais radicais, que envolvem correntes.

O vira-lata parece feliz, ao menos quando encontra um ossobuco com o furo ainda recheado de tutano. E também quando resolve correr adoidado pela ladeira, com o vento a lhe sacudir as orelhas de abano. Não sei o que faz no resto do tempo…
O sonho da Babi é ter um salvo-conduto para transitar pela área sem a minha autorização. Infelizmente isso não é possível. Há armadilhas em toda parte, e ela não sobreviveria.

O sonho do vira-lata é morar numa fazenda, com espaço para perseguir coelhos e onde comida e cuidados não lhe faltem. Muito difícil. Ele não nasceu em berço de ouro.

A cachorrada dos quintais vizinhos, também em regime fechado, late furiosa, quando passamos em frente aos seus portões. Então Babi esnoba os cães menores desfilando como se eles não existissem, e, paradoxalmente, encara os grandões. Fica brigando com os labradores e dogues, sem se intimidar. Mas toda a sua oratória vai pro brejo quando não há grades para protegê-la. E ela corre pra mim com o rabinho entre as pernas.

Se fosse dada a possibilidade à minha cachorrinha de escolher outro sistema, com certeza, ela recusaria. Ela depende inteiramente dos donos, tanto que até adoeceu quando viajamos. O seu mundo cabe nesta casa, nesta rua, nesta quadra.
Da mesma forma, o vira-lata sucumbiria se lhe fosse tirada a liberdade de correr ao sol, de andar na chuva, de espantar os gatos, de remexer o lixo, de caçar fantasmas… Muros lembram medo e limitam demais… Que graça teria uma vida vazia?